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sexta-feira, outubro 04, 2013

Liberdade

Sentado no velho banco de madeira, apreciando o horizonte cinza, pensamentos destravam e enchem os pulmões de sua memória de gratidão. Entre um sorriso tímido e um lento espreguiçar, palavras antes adormecidas começam a despertar e exigir um lugar ao sol.

“A mesa virou, a chuva inundou, a partida está em outro ritmo” – dizia a si mesmo.

As inúmeras situações inexplicáveis que impregnaram violentamente sua alma e as muitas desilusões já não o acompanhavam durante o dia e não o perturbavam quando a noite nascia. Foram esquecidas, saíram de cena e cederam espaços para algo mais elegante.

“Chega de reclamar!”- pensava alto.

Já não se escuta o som murmurante, costurado com linhas abatidas e rancorosas, que ecoava nos becos e vielas. A desesperança e a ingratidão foram dissipadas e raramente a neurose bate na porta da consciência, porém não há quarto para hóspedes indesejados e enlameados de engano.

Que privilégio é poder apreciar o canto da cigarra. Quem imaginaria esse cheque-mate fora de época? Luz, palavras e coração foram mesclados ao perdão, abraços e reconciliação. O novo roteiro trouxe uma perspectiva distinta. Agora o desejo é de enxergar mais sal em suas pegadas.

“Novos problemas, sejam bem-vindos!” – disse em voz alta, antes de se levantar da cadeira.

O caminho de volta não pede muita falação, pois falação é pra quem quer ser eleito – já dizia um poeta. Certamente chegou o momento de pichar paredes eternas e inalar gás lacrimogêneo a favor do amanhã. Cantar mesmo com o time em desvantagem no placar e não perder a ternura jamais.

“Não quero dormir com travesseiro caro, quero estar acordado, quero ser acordado...” – sonhava enquanto caminhava em direção oposta.

segunda-feira, junho 24, 2013

Quinta-feira 13

Quando cheguei às 17h no Vale do Anhangabaú para trombar o Beninha e subir até a Praça Ramos de Azevedo, não imaginaria que aquela noite seria tão tumultuada. Sabia que seria histórica, pois havia uma multidão indignada com o preço da passagem e cansada de viver com as migalhas do pão e com as risadas forçadas do circo. Contudo, o cenário noturno das ruas apertadas do centro reservava algo a mais para todos nós.

Chegamos em frente ao Teatro Municipal e entramos no meio da multidão que cantava “mãos para o alto, 3,20 é um assalto” e outras músicas mais. Ali havia gente de partidos políticos, punks, universitários, torcedores organizados, senhores, senhoras, galera do rap e alguns policiais que ficavam observando de longe, encostados na parede do Shopping Light. Ah, até bandeira do PT tinha no lugar.

Não me lembro muito bem o horário que saímos em direção à rua da Consolação, só sei que quando cheguei por lá percebi que estava em meio a uma emboscada onde o Batalhão de Choque da Polícia Militar resolveu jogar bombas e dar tiros de borracha em todos nós, inclusive em mulheres.

Quando eles se reuniram atrás dos escudos e começaram a descer a lenha, só deu tempo de entrar no meio dos carros que desciam a rua e se proteger atrás dos ônibus. Enquanto alguns motoristas abandonavam seus automóveis e dezenas de manifestantes se ajoelhavam em frente dos armados, muitas pedras eram arremessadas e bombas eram chutadas de volta para os pés dos policiais.

Busão pichado, vidros quebrados, lixeiras pegando fogo e muito gás lacrimogêneo para os pulmões. Apesar da cena de batalha, isso foi só o começo da noite, ainda tinha muita bomba para chover e muita pedra pra ser tacada durante o zig-zag até a Avenida Paulista. Em cada esquina, um corre-corre para a imprensa filmar lá do alto, protegidos em seus helicópteros.

Os repórteres que caminhavam ao nosso lado também levaram seus prejuízos. Foram presenteados com tiros de borracha na cara, bombas e detenções. Eu não vi ninguém sendo preso, fui perceber o tamanho da gravidade somente quando cheguei em casa e entrei na internet.

Logo após o primeiro incidente, encontrei uma parte do grupo que já estava na Rua Augusta e andamos até a esquina que fica antes do Hotel Panamericano. Em frente ao hotel, havia muito escudo e carros que impediam a nossa passagem. Tivemos que mudar o caminho novamente e buscar outro acesso para a Paulista.

Durante o nosso trajeto, muitos olhos curiosos (não, não é não, não é o zoológico) apareciam nas janelas e portas dos edifícios. Olhares de desprezo que não acreditavam que aqueles metros quadrados tão valorizados estavam ganhando um valor a mais, algo que não tinha cheiro de dinheiro e muito menos de ostentação, mas de suor, fumaça e gás lacrimogêneo.

Até que chegamos na Rua da Consolação novamente e fomos encurralados. A cavalaria estava no local e a covardia continuou, somada ao ódio dos outros  policiais, que atacavam sem dó a multidão que estava sentada. Todos se levantaram e começaram a correr em direção à única rua de escape, da qual não me lembro do nome.

Era tanto gás lacrimogêneo que eu não estava respirando direito. Olhava pro Beninha e falava que o barato tinha ficado louco e que eu precisava sair dali. No meio do barulho das bombas, uma garota me escutou falando e voltou para jogar vinagre na manga da minha blusa. Nem me lembro do seu rosto, mas sou eternamente grato pela sua boa ação.

Logo depois, conseguimos correr até a Paulista e de lá veio mais bomba que nos empurrou para fora da avenida. Quando me dei conta, estava na Doutor Arnaldo, em frente ao velório do Cemitério do Araçá. Nesse momento não havia muita gente, aquela multidão tinha se dispersado e em frente ao Metrô Clínicas havia mais polícia jogando bomba na gente.

Começamos a descer correndo o morro do cemitério. Logo nos primeiros passos vi um carro de luxo tentar um strike. O motorista ficou tão desesperado que quase atropelou a galera. Um segundo carro tentou fazer a mesma coisa, mas não teve a mesma sorte e a lataria deve ter sofrido com o impacto dos chutes.

Pensei que o Choque não fosse descer o morro, mas a perseguição seguiu até a Praça Charles Muller. Quando passei em frente ao portão do Tobogã do Estádio da Prefeitura, apesar da tensão, cantei uma música do SPFC para os seguranças que nos olhavam com espanto e continuei correndo.

Enquanto alguns sumiam pelo caminho, eu e o Beninha decidimos descer as escadas da Praça. Mudamos de ideia quando o pessoal, que escutava música em seus carros equipados, começou a fugir em alta velocidade, deixando o local deserto. (A cena dos carros em fuga lembrou Velozes e Furiosos).

Em meio à trilha sonora que nos acompanhava desde o começo da jornada, chegamos até a banca de jornal que fica no pé do morro e paramos os carros, que tiveram a bondade de esperar a gente passar. Como não podíamos descer a Avenida Pacaembu e nem subir de volta pelo outro lado, pois havia viaturas por todas as partes, corremos para a Avenida Arnolfo Azevedo e ficamos uma meia hora parados em um posto de gasolina.

No meio dessa correria, minha mãe me mandou uma mensagem no celular:

“Você já está voltando pra casa?”

Respondi que estava indo para o metrô. Eu nem sabia que a TV estava mostrando os fatos. E vocês sabem que a mídia curte um sensacionalismo. Talvez minha mãe estivesse pensando que o filho dela estava em Bagdá.

Quando o tempo acalmou por ali, subimos por outras ruas e chegamos ao metrô Sumaré. Para nós, o sufoco da noite tinha acabado. Dentro do vagão fiquei pensando o porquê da reação da polícia, se ninguém tinha feito nada. Inclusive presenciamos um acordo entre o pessoal do MPL e um comandante da PM, segundos antes do primeiro disparo.

Difícil descrever aquele dia, escrevi o que lembrei. As imagens ainda estão vivas na memória e a emoção vem à tona sempre que recordo daquelas horas de tensão. Ah, e além do barulho e da irritação, o gás lacrimogêneo me rendeu meia hora de inalação na UPA e alguns remédios, pois descobri que tenho algum tipo de alergia, que a médica não soube me explicar.

terça-feira, junho 11, 2013

Caminho sem atalho

De Kamchatka pra cá, sonhei diariamente com a aurora, que demorou muito para aparecer. Pelo caminho, bastante empatia. No solo de Sierra Maestra, quem pode menos sorri mais. Difícil entender e muito complicado explicar. São vivências que foram guardadas em porta-retratos e lágrimas que caem quando se sabe que é impossível voltar para Thundera.

Proceder de forma equivocada é inevitável. É um absurdo cobrar a perfeição de quem poderá chegar aos 80 anos e não ter aprendido quase nada. Pois muito se aprende nesse planeta, porém o essencial é desaprendido quando se é instruído no secundário. Então, mãos à obra, garoto!

Temi desaparecer mesmo tendo sido encontrado. Não queria o utilitarismo, e o martelo bate maldade no olhar e bastante malícia nos diálogos. Tive que reaprender, encontrar trilhas e construir neurônios resistentes e sagazes. Talvez tenha conseguido e nem me dei conta, ou “se pá”, fui ludibriado e estou achando que está bom.

Mas ainda “tengo los lagos, tengo los ríos, tengo mis dientes pá cuando me sonrío”, e isso evita o consumo de muitas drogas das diversas farmácias da região. Imagina o gasto com remédios, é caro demais, uns dizem que as drogarias são as biqueiras do Estado, mas eu não entendo muito sobre isso.

O legal são as diferenças, contudo, o diferente às vezes é muito parecido. Eu não quero certas coisas, mas não sei o porquê eu desejo coisas que nem preciso. Será que as coisas que eu não preciso trarão algum benefício pra mim? Dizem os comerciais que sim, que eu ficarei mais feliz e bonito, eu acho que isso é mentira.

No caminho até Havana, muitos amigos nasceram. Pessoas que eu nem imaginava conhecer. Alguns gols também foram marcados e a arquibancada sorriu quando eu apareci depois de anos de ausência. Até a ruazinha de lá ficou com ciúme da ruazinha de cá, mas isso é bobagem. Eu gosto das duas.

Ah, Thundera era legal, mas o 3º Mundo também tem seus desafios. E na verdade, é isso que me mantém vivo e reflexivo. Continuo desenhando o caminho, e quando posso, olho para o céu e vejo estrelas, nuvens e um satélite que sobrevive fora do tempo.

domingo, maio 19, 2013

A simplicidade extraordinária de cada dia nos dai hoje


Acordei bem disposto naquele dia e desejei viver uma história diferente. Estava cansado de olhar pelo mesmo ponto de vista. Tudo que eu tinha que fazer era idêntico ao que eu havia feito no dia anterior. Nada mudaria, a não ser que eu sofresse algum atropelamento ou fosse assaltado.

Abri meus olhos, me espreguicei, levantei da cama e fui para o banheiro. Liguei o chuveiro, deixei a água cair sobre meu rosto e pensei nos cinco pãezinhos que eu iria comer no café da manhã. A manteiga havia acabado e eu só tinha cinco pesos pra comprar os pães. Teria que pedir um crédito para o senhorzinho da venda.

Após o banho fui escovar os dentes e percebi que o creme dental havia acabado. Decidi me vestir e depois resolver esse problema. Coloquei minha velha bermuda jeans, minha camisa vermelha e meu chinelo preto. Peguei uma faca e cortei o tubo do creme dental ao meio para utilizar o restinho que ainda tinha, assim pude deixar meus dentes mais brancos e resistentes, como diz o comercial da TV.

Peguei as moedas e fui até a venda. No caminho conversei com os meninos que vendiam alguns saquinhos com cinco pedacinhos de cana-de-açúcar, ao preço de dois pesos cada. Eles esperavam os carros pararem no cruzamento da movimentada rua e ofereciam seus produtos naturais aos motoristas e aos passageiros dos ônibus. Cada guerreirinho daqueles devia ter 11 anos no máximo.

Depois passei para falar um bom dia para a senhora camponesa que vendia maçã, banana, laranja e outras frutas em um carrinho de mão. Ela sorriu e disse: “Buen dia, joven. Cómo le vá?”. Eu respondi que estava tudo bem e que iria comprar uns pães para o café da manhã.

Entrei na venda e o Don Hugo estava assistindo TV. Quando me viu, se levantou do banquinho para me atender. Também disse que sua esposa havia trazido alguns pãezinhos da escola em que ela trabalhava e que havia guardado para mim. Na hora fiquei muito feliz, pois sobraria dinheiro pra comprar a manteiga.

Voltei para o meu quarto com o saudável café da manhã, liguei o radinho e coloquei a água para ferver. Enquanto a água fervia, passei manteiga nos pães e coloquei algumas folhas de coca na xícara de asa quebrada que eu sempre usava.

A água ferveu, o pão estava perfeito e o chazinho me lembrava do chá de hortelã que eu tomava quando era criança. Alguns dizem que a folha de coca é prejudicial, mas eu penso que o processo de maldade que é feito com ela, até uma azeitona com mil produtos químicos faria dano.

Lembrei que precisava lavar minhas roupas. Porém, no local havia um único tanque e o varal sempre estava cheio de roupa dos outros moradores. Então decidi colocar tudo na mochila de viagem que meu pai havia me presenteado e seguir até a casa da Yara. Enquanto colocava as roupas, lembrei da minha mãe, pois se ela visse o estado das golas das minhas camisas, ela certamente brigaria comigo.

Fui até o ponto esperar o micro e de repente apareceu um camarada que era pastor de uma igreja. Ele disse que estava com saudades, que eu desapareci, que todo mundo estava sentindo minha falta e etc. Normalmente pessoas de grupos religiosos falam isso quando te veem na rua, sempre expressam uma dor extraordinária de saudade.

Eu lhe disse que não fui porque estava indo em outra igreja, que era mais próxima da minha casa. Também expliquei que estava buscando um emprego e que a faculdade estava me consumindo, pois os professores estavam passando muita tarefa.

Ele mudou um pouco o assunto e disse que ficou sabendo que eu estava passando umas dificuldades financeiras, que mal podia comprar o feijão. Respondi que sim, mas que o arroz e a sardinha nunca faltaram – brinquei para ele entender que existe desgraça maior no mundo.

Com  olhar de sabedoria e voz de experiência, ele me perguntou se eu estava dando o dízimo. Falei que não, que se eu desse 10% do pouco que eu tinha, não conseguiria pagar nem o aluguel. O papo acabou ali, ele disse para eu refletir num tal de “princípio da semeadura” e foi embora cuidar de seu rebanho. Fiz uma cara de indignação e em seguida o ônibus chegou.

Após meia hora dentro daquela lata de sardinha, cheguei ao meu destino. Apertei a campainha, abracei a Yara e coloquei minhas roupas dentro da máquina. Usei o restinho de sabão em pó que eu tinha comprado semanas antes e as deixei limpinhas. Elas não ficaram tão limpas quanto as do comercial da TV, mas pelo menos estavam cheirosas.

Em meio ao vento forte, estendi a roupa e entrei para almoçar. A Yara tinha preparado arroz, feijão, bife, salada e na geladeira tinha refrigerante. Era um banquete, e ela cozinhava perfeitamente. Foi um almoço daqueles que a gente não esquece. Repleto de tempero, acompanhado de uma conversa de qualidade.

A comida do prato acabou e o refrigerante do copo também. Como de costume, lavei toda a louça e a Yara secou. Varremos a cozinha e passamos um pano pra deixar o local brilhando, iguais àqueles incríveis pisos que são mostrados no comercial da TV.

Em seguida, fui até o varal e recolhi as roupas que já estavam secas. Dobrei direitinho e coloquei na mochila. Faltou uma bermuda e três camisas que ainda estavam úmidas. Deixei que elas secassem totalmente e quando eu pudesse voltaria para buscá-las.

Agradeci minha amiga por ter me ajudado, dei aquele abraço de despedida e fui até a avenida pegar o ônibus de volta para o centro da cidade. No caminho, bateu aquela saudade de casa. De poder jogar vídeo game com meu irmão e brincar com o Bili. É complicado, estar sozinho dentro do busão faz a mente pensar mais do que o normal.

Desci do precário transporte público em que me encontrava, passei na venda novamente, pedi ao Don Hugo que me vendesse uma pasta de dente fiado e fui pra casa. Cansado, deitei na cama, que parecia ser aquele colchão macio que aparece no comercial da TV, e fixei meus olhos no teto.

De repente minha mente se acalmou e comecei a agradecer a Deus pelo dia diferente que eu vivi. Fui muito grato por Ele ter colocado pessoas e situações especiais no meu caminho, mesmo eu sendo um amaldiçoado aos olhos do pastor da tal “lei da semeadura”. 

sábado, maio 11, 2013

O fim da linha e o começo da luz

“Nunca deixe faltar amor ao seu filho, se tem alguma coisa que pode salvá-lo, é o seu amor por ele. Nunca o abandone, vão ter muitas pessoas dizendo que não tem jeito... mas isso é mentira. Acredite em Deus e não perca a esperança. O dia do fim da luta pode demorar a chegar, mas durante os dias de batalha mostre que ele não está sozinho, pois você está com ele.”

Ela não estava dentre as pragas enviadas ao Egito, e chegou de forma devastadora ao nosso tempo. Na sutileza, ela corrói crianças, jovens e adultos, de ambos os sexos. Também arrasa famílias, aumenta a criminalidade e lota cadeias e cemitérios. Seu nome é droga!

Esta incômoda inquilina chegou até a casa de Flávio Benedito da Silva, morador de uma cidadezinha da Grande São Paulo, e resolveu morar um tempo na vida de seu filho.

"Percebi que as coisas não estavam bem. Primeiro desconfiei pelas atitudes dele. Logo depois surgiram os comentários de amigos, pois a cidade é pequena e é impossível esconder de todo mundo", conta.

Quando o problema veio à tona, Flávio já era separado de sua esposa que passou a morar em outro bairro da cidade. Pai de três filhos, ele sempre estava presente na vida de seus herdeiros, ensinando e aconselhando sobre como se deveria levar uma vida digna e longe de complicações extremas.

Devido ao pouco conhecimento sobre o assunto, a primeira reação de Flávio foi se posicionar de uma forma autoritária. O preocupado pai impôs ao filho que abandonasse de vez aquela vida, porém todas as ordens foram em vão, e o caos familiar só aumentou.

"O Renan começou a usar com 15 anos, mais ou menos. A princípio era maconha, porém terminou viciado em crack. Mas acredito que nesse percurso ele tenha experimentado outros tipos de drogas também", lamenta.

Para o pai de família, foi terrível ver a mudança que ocorreu na vida do garoto. Aquele menino que jogava bola descalço na rua, empinava pipa e rodava pião, se transformou em um jovem sem esperança, que mentia o tempo todo, inventando histórias absurdas e persuasivas.

Renan não era agressivo e nunca foi violento dentro de sua casa. Isso ajudou a não piorar a situação. O pai acredita que em nenhum momento esta situação trouxe uma possível união entre pais e irmãos, em favor do garoto.

"Tivemos muitos problemas. O irmão mais velho não aceitava de maneira nenhuma o tratamento amoroso que o irmão mais novo recebia da minha parte. Para ele, eu devia colocá-lo para fora de casa, já que as mentiras e os furtos dentro do lar eram frequentes", desabafa.

Os anos se passavam e a situação não melhorava. Até que em determinado momento, ao enxergar e compreender seu estado de dependência química, Renan entendeu que precisava ser internado em uma clínica de reabilitação.

"Entre idas e vindas, ele foi internado pelo menos umas seis vezes, mas todas por sua própria vontade. Nunca fugiu, mas abandonava, com conhecimento dos responsáveis", explica.

O pai, que nunca desistiu de seu filho comentou que a principal característica de quem está preso no mundo das drogas é a mentira, e que, apesar de ter esperanças na reabilitação de seu filho, já chegou a pensar que Renan morreria. "Claro que já pensei que o pior poderia acontecer, não tanto pela droga, mais pela vida que levava e pelas suas companhias. Ele não distinguia mais o certo e o errado, arriscava tudo para conseguir dinheiro e manter seu vício", diz.

Logo após a última internação, o garoto que já tinha 22 anos decidiu mudar de cidade e partiu para Maringá, no Paraná. Lá, ele se juntou a uma ONG cristã chamada Jocum (Jovens com uma Missão), que realiza trabalhos sociais. Neste novo ambiente, conheceu uma outra forma de levar a vida.

A distância da família o fez valorizar seus pais e irmãos, que agora vivem mais unidos do que antes. Renan virou o orgulho da família e exemplo de superação. Atualmente ele está casado, continua morando na ONG e realiza trabalhos com detentos e dependentes químicos.

Enfim, esta história ainda não teve um final, mas é possível dizer que apesar dos graves problemas, houve momentos de grandes alegrias e triunfos. Este pai que durante anos teve a vida de seu filho sequestrada pelas drogas, conseguiu reverter esta situação e trazê-lo novamente para uma vida social digna e honesta.

Um apelo que Flávio deixa aos familiares que estão passando por este grande sofrimento, é que nunca desistam:

"Não importa a sua crença. Entregue na mão de Deus, que só Ele pode resolver. Não importa clínica cara, médicos e outros tratamentos de primeira grandeza, se não partir de dentro de quem precisa ser ajudado, nada que for tentado surtirá efeito. Acredite em Deus e ame seu filho, pois o amor já é a maior ajuda que Deus te dá, uma vez que Deus é Amor", siz o pai, que é um exemplo de dedicação e persistência.


quarta-feira, maio 01, 2013

Eae amigo, firmeza?

- Alô, Dona Ana? O Paco está por aí?

- Quem quer falar com ele?

- É o Beiço que tá falando. Pô, Dona Ana, a senhora não reconhece mais a minha voz?

- Oi, meu filho, desculpa. Tô tão desligada nesses últimos dias que nem percebi. Vou chamar aquele moleque, peraí!

- Eae Beiço, que pega?

- Boa tarde, mano. Liguei pra trocar uma ideia, tô meio tristão. O que você tá fazendo aí?

- Tô de boa aqui. Trocando uma ideia com uma mina que adicionei no Facebook. Mano, maior gatinha, depois te mando o link.

- Da hora, mano. Eu tô sem computador, queimou na semana passada.

- Séloco, como você consegue viver sem computador?

- Ah, mano. Vou fazer o quê? Tô sem grana pra mandar arrumar. Mas então, acabei de tomar um café da tarde com meu irmão. Compramos aquele bolo de chocolate que vende na padaria da praça. Tá ligado?

- Tô ligado.

- Então, a gente tava tomando café e lembrando da mãe. Hoje faz três meses que ela faleceu.

- Podi crê, mano. Meus sentimentos mesmo.

- Por isso te liguei. Queria conversar. Mó saudade da minha velha.

- Tenso né? Mas aí, acabei de ver uma parada aqui no Facebook. Um amigo postou uma foto muito hilária. Tem gente que não tem noção do que posta.

- É mano, tem gente que perde a linha. Mas ae, tô afim de colar no cemitério amanhã de manhã. Tá afim de ir comigo? Não quero ir sozinho.

- Amanhã de manhã não posso. Tenho que estudar pra prova.

- Entendi. E de tarde?

- A tarde também não vai virar, mano. Vou pra academia.

- Firmeza. Pô mano, tô preocupado com meu irmão, ele tá malzão. Até comprou outra marca de café pra não sentir o cheiro do café que a minha mãe fazia.

- Caraca, que fita. Eu vi no Facebook que na terça-feira foi o dia do professor. Sua mãe era professora, né?

- Era sim, até escrevi um poema pra ela. Quer que eu leia?

- Não precisa, mano. Depois você me mostra. Tô aqui falando com você, vendo o jogo do PSG e dando ideia na mina que te falei.

- Tá certo. Não sei como você consegue fazer três coisas ao mesmo tempo. Acho que você não aproveita nenhuma delas com qualidade. Não dá a atenção adequada para nenhuma.

- É osso, mas tô acostumado.

- Meu pai me ligou ontem. Disse que mês que vem ele aparece. O velho não tá nem aí pra gente. Arrumou outra família e nem dinheiro está mandando. Deixou a gente na mão. Graças a Deus que a Dona Amélia está nos ajudando. Ela faz o nosso almoço e a nossa janta.

- Mano, desculpa cortar, mas você viu o vídeo do maluco que caiu da árvore?

- Não, onde?

- Tá no Youtube, vê lá depois. Você vai chorar de rir. Tem uns caras que não tem noção do ridículo.

- Podi crê. Então mano, não vou mais te atrapalhar. Fica em paz aê, abraço.

- Obrigado. Melhoras aí, Beiço. Qualquer coisa você sabe que pode contar comigo. Falô.

quarta-feira, março 13, 2013

Na escuridão do Vale

Foram meses caminhando pelo Vale da Sombra da Morte. A intensidade da angústia habitava a minha alma ao som de um canto fúnebre, que me lembrava a possibilidade de morrer a qualquer momento. O tratamento era muito doloroso e sofrido. A cada gota de quimioterapia, as veias do braço pediam para explodir. Cheguei a pesar 42 quilos, mal conseguia andar e tomar banho sozinho.

Dores e lágrimas me acompanhavam e me afastavam da fé. A esperança havia acabado. Em meu coração o nome da doença fazia morada e me atormentava: Linfoma de Hodgkim, muito prazer! Apresentou-se como inquilina e roubou-me a paz. Tumultuou meu lar, escureceu meus sonhos.

Fui obrigado a fazer muitas sessões de radioterapias. Após alguns massacres químicos,  enquanto retornava para casa de ônibus, eu vomitava dentro da condução. Sinceramente, sentia-me envergonhado. Os passageiros se assustavam comigo, porém eu não podia fazer nada, estava doente.

Aquele câncer maligno, bem dentro do meu peito, gerava uma aflição tão grande na minha família que parecia um monstro gritando, todas as manhãs, que aquele seria o meu último dia. Esforcei-me ao máximo para aprender a viver um dia por vez e aproveitar meus raros momentos. Mas não era tão fácil assim. Meu corpo ganhou as marcas de um doente que, entristecia ao se olhar no espelho e via que os cabelos já estavam caindo e os ossos encontravam-se enfraquecidos. Coloquei-me à espera da morte.

Quando permanecia no hospital, olhava pela janela e observava com atenção o novo amanhecer. Com a vista cansada e o coração amedrontado, percebia que aquele era o dia que o Senhor havia feito. A rotina desmoronou e a simplicidade das coisas saltaram em direção aos meus olhos quando me deparei com o final da minha história. Talvez aconteça com todos que estão ou já estiveram amarrados no trilho do trem.

Lembro-me de uma amiga de tratamento que aos 18 anos morreu por causa da poderosa Linfoma de Hodgkim. Este fato foi terrível e muito desencorajador, anulando de vez qualquer resquício de esperança que tentava sobreviver no meu ser. Entretanto, naquele mesmo dia em que recebi a péssima notícia, ao contar o ocorrido a um amigo, ele marcou a minha vida com apenas uma frase: "Mano, não dá pra entender essas coisas... Deus abre a boca do leão para alguns e fecha para outros". Essa conversa me trouxe esperança novamente e me fez pensar que Deus traz as pessoas certas, na hora certa, e que meu mano Marquinho só estava ali na minha igreja por causa de uma única pessoa.

O tempo foi passando e fui surpreendido com um ataque cardíaco. Devido a quimioterapia, uma veia do meu coração ficou fraca e causou essa situação, mas após seis meses ela se fortaleceu novamente.

Uma vez, dentre as dezenas de momentos de desespero, liguei para o meu pastor Roberto Soares para desabafar e dizer que eu iria morrer. Ele me escutou e disse calmamente: "Filho, você não vai morrer" - estas palavras me deram confiança para continuar.

Durante os três anos de tratamento nunca estive sozinho. A minha mãe, a minha querida avó, minha prima Ângela e toda a minha família, junto com meus amigos, sempre estiveram presentes. O Marcelinho, marido da Karin, aparecia todos os dias pra conversar comigo e me ajudar a carregar aquela pesada cruz. É sempre bom ter um amigo. Ele me deu tanta força naqueles dias de tempestade que até hoje não tem ideia dos resultados de cada conversa e de cada abraço.

Não sei o porquê de Deus ter fechado a boca do leão para mim. Vi muita gente morrer. Alguns pensavam que iam viver, mas perdiam a luta. Houve noites em que sonhei que eu havia falecido e outras que me via gelado na gaveta de um necrotério. Também tive sonhos em que me encontrava dentro de um caixão. E no dia em que sonhei que receberia alta do hospital, fui contemplado e voltei para a minha casa.

Todas estas experiências me ensinaram que ninguém é melhor do que ninguém, com ou sem dinheiro, somos todos iguais. A vida é um sopro... Foram dias de muito tormento, mas estou aqui. Pensei que não iria chegar muito longe, mas aqui estou. O mais importante não é o tanto que a gente bate, mas o tanto que a gente leva e consegue permanecer em pé - palavras do Rocky Balboa que me fortaleceram.

Hoje, olhando pela janela, vejo a esperança de um dia melhor...

Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé!
2 Timóteo 4:7

Ricardo Branquinho está curado e continua vivendo em Rolândia- PR, junto com sua esposa Regiane. Ele foi uma das pessoas mais extraordinárias que conheci até hoje.



sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Futebol dos amigos




Em plena quarta-feira, movida pela forte garoa que molhava os desprevenidos, meu amigo Flavinho decidiu que naquele dia assistiríamos o Tricolor no Morumbi. Antes do galo cantar,  ele me ligou dizendo que às 15 horas nós iríamos até o bar que fica perto do estádio, na Saad, para ver a Seleção Brasileira jogar e logo em seguida caminharíamos até o Cícero Pompeu de Toledo.

Com aquele tempo, certamente poucas testemunhas compareceriam para presenciar a espetacular batalha entre São Paulo e Ponte Preta. Particularmente, desde que comecei a frequentar os campos de futebol, não me importo se o estádio está vazio e às vezes, até prefiro.

O Fom e o Magal também se animaram a ir e, uma hora depois do horário marcado, saímos em direção à Dutra. Durante o caminho, ao avistar as paredes da Rodovia repletas de "pixações" do nosso amigo que havia falecido no primeiro dia da semana, lamentamos e refletimos sobre a fatalidade que o levou para mais perto do Criador. Lembramos que ele era fanático pelo Santos e ao falar do time da Vila, recordamos sobre o clássico que o Soberano perdeu no último final de semana. Três a um, roubado, para o clube do litoral...  ele deve ter gritado os gols lá do céu, ao lado de Moisés e Abraão.

Naquele momento não estava frio. Magal, Fom e eu havíamos esquecido nossas blusas e somente o Flavinho foi prevenido. Apesar de haver trazido sua jaqueta, o filho do Gaspar calçava um tênis que parecia uma bola de futebol americano, que após alguns passos, o presenteou com algumas bolhas em seu pé direito.

Ao chegar no Bar, a chuva já caía e o vento começava a mostrar que também testemunharia a partida. Enquanto o Brasil apresentava um futebol de amador, comemos uma porção de frango à passarinho e para finalizar a janta, cada um comeu um lanche. Alguns senhores, com os olhos atentos à TV, reclamaram do Neymar. Segundo eles, esse safado só joga bem por aqui, lá fora tem vontade de pedir autógrafos para os gringos.

Aproveitando o momento, um vendedor de capas de chuva apareceu e nos ofereceu o produto. Não pensamos duas vezes e compramos as blusas de plástico. Isso ajudaria a frear o vento.
Não torço pra Seleção e quando o Luís Fabiano foi substituído, achei injusto. O Felipão deveria ter colocado o Fabuloso para jogar com o Lucas e não com o Ronaldinho, que não fez nada além de perder um penalti.

O amistoso acabou, a Inglaterra ganhou e nós, debaixo de uma garoa, andamos até uma farmácia para comprar um Band-Aid pois o menino que vestia dois pares de meia e calçava o tênis super apertado, já não aguentava caminhar.

Problema resolvido, fomos em direção à nossa segunda casa. Quase não havia torcedor pela rua, mas o policiamento estava lá para manter a ordem. Os Guardas Metropolitanos também marcaram presença. Posicionaram-se como um exército para evitar que os ambulantes vendessem seus produtos. Mesmo assim, os trabalhadores se escondiam e comercializavam seus refrigerantes, suas cervejas e suas capas de chuva.
Paramos em frente à antiga Banca da Placar e esperamos a chuva amenizar. São Pedro nao colaborou. O Fom disse para continuarmos a caminhada até a rampa de acesso. Talvez o portão já estivesse aberto e no corredor do estádio a chuva não nos alcançaria. 

Magal comentou sobre a falta de respeito dos organizadores do campeonato. Neste ano, a Federação aumentou o preço dos ingressos para 40 reais, um absurdo para um país como o nosso. Eles sabem que apesar desse valor, os torcedores que são apaixonados por seus clubes, desembolsam a quantia que for necessária para ver seu time jogar. Mas, graças à diretoria do São Paulo, o setor amarelo custa 10 reais, e foi ali que assistimos Lúcio, Osvaldo, Ganso e companhia parar na defesa do time campineiro.
Enquanto o jogo não acabava, o Fom e o Magal comeram umas três caixinhas de Ragazzo e o Flavinho quase não viu as jogadas porque a chuva molhava as lentes de seus óculos.

Bom, sabe aquele dia que o 0 a 0 estava escrito desde o início da partida? Pois é, foi assim. Jogo truncado, cadeiras vazias, chuva, frio e um São Paulo apático em campo. Alguns torcedores criticaram a falta de raça da equipe, outros incentivaram o tempo todo e teve um maluco que passou o intervalo inteiro xingando a imprensa. O público pagante foi de 5 mil e poucas pessoas. Quatro mil a mais do que o São Paulo e União São João que meu pai me levou debaixo de um temporal, quando eu tinha 14 anos.

Após o apito final do árbitro, o céu abriu e as nuvens carregadas foram embora. Apesar do resultado e do tempo desfavorável, sempre é bom estar no Morumbi, e com os amigos é melhor ainda. Além do futebol, colocamos a conversa em dia e agradecemos pela amizade que fez da simples quarta-feira, um dia eternizado na memória de cada um.


segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Partida

As paredes choram,
Tudo perdeu a graça,
Domingo zuado,
Aquele alegre santista se foi,
Não deu tempo de gritar os 3 gols de hoje,
Partiu sem se despedir,
Os Chavs ficaram Registrados para sempre,
A pista de skate está de luto,
Os amigos estão inconformados,
O céu escuro não segurou as lágrimas,
E as portas do Jardim foram abertas,
Para receber o menino da Vila!

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Subitamente


O breu não é total,
As nuvens tentam apagar a beleza,
Obediente, ela reflete a vida.
A areia permanece calada,
O oceano molha os pés,
As orações exalam da consciência,
E se misturam com o barulho das ondas.
Sorrisos viajam pela eternidade,
E surpreende o faminto,
Que pensa calmamente,
Nas lembranças eternas.
O ódio se decompõe,
A gratidão dança com a água salgada,
Canções de redenção e poesias humanas,
São direcionadas ao Criador do sol.


terça-feira, janeiro 22, 2013

Ao vento


Bonito é anunciar o é nóis,
dizer que ama em Cristo Jesus,
proclamar o tamo junto,
e com ares de guerra, gritar:
se pegar pra um, pega pra geral!
Porém,
nos arames farpados do trecho,
o escafandrista descobre,
quem está todos os dias,
não utiliza jargões!

domingo, janeiro 20, 2013

La Luz


El trueno siembra el miedo en el alma,
las nubes oscuras sofocan los ojos.
Sin color interior, el bello pájaro ya nos es bello,
y los montes verdes ya no traen descanso.
El cuerpo recibe el peso de la pérdida,
y el cerebro, transtornado, sueña con el día fúnebre.
Pero, una Luz que vino de lejos, y que siempre estaba cerca,
trajo una nueva propuesta, mas allá de lo convencional,
mas alla de lo moral y contrario a los ritos.
Dijo que hay un camino escondido por detrás de una pequeña puerta,
y al decidir por esta ruta,
el ágape pateará el miedo del alma y por las ventanas oculares,
será posible alegrarse con la primavera y con las conciones de los pájaros.
Las emociones y los pensamientos descubrirán la harmonía,
y los huesos secos conocerán venas, sangre y tejidos.
Perfecta y extraordinária Claridad!



quarta-feira, janeiro 02, 2013

Miragem


O vento que entrava pela janela do ônibus bagunçava seus cabelos castanhos, que caíam sobre seus olhos e, por alguns segundos, a impediam de ver. Eu fingia que observava a paisagem que beirava a estrada, mas não tirava meus olhos daquele rostinho perfeito.

Olhos claros, pele branca como a neve e sorriso verdadeiro. Caraca, da onde veio essa mina? - seria a pergunta que eu faria ao Magal, caso ele estivesse ali. Eram poucos minutos de viagem e eu teria que bolar um plano rapidamente. O objetivo do dia já não era chegar ao meu itinerário, isso já não era tão importante. A meta era conversar com a minha companheira de banco.

Busquei nas profundezas da mente algum assunto que não desse na cara que eu havia me interessado por ela. Porém, não encontrei nenhuma solução neste meu complicado cérebro. O motorista dirigia devagar e com prudência. Contudo, eu esperava uma barbeiragem de vossa excelência, para que eu pudesse olhar para o lado e comentar: Que cara ruim de volante, né? 

Ou talvez uma freada brusca me desse a oportunidade de perguntar se ela havia se machucado. Mas, não sei, estava tudo tão calmo naquele ônibus, que só um milagre para eu conseguir saber pelo menos o seu nome.

O bonde não estava lotado. Havia aproximadamente 20 pessoas sentadas. Um casal conversava no banco ao lado e falavam tão alto que até o motorista escutava. No banco de trás, uma garota, aparentando ter 15 anos, escutava música no seu celular, enquanto a senhora que se encontrava ao seu lado, fazia tricô. O cobrador não largava o celular e passou a viagem toda conversando com alguém.

Mas, eu era o mais sortudo daquela condução. Ao meu lado estava a garota mais linda de todas. Ela vestia uma blusinha cinza, segurava uma bolsa marrom, um caderno e dois livros. Imaginei que estivesse indo para a faculdade. Tentei olhar do que se tratavam os livros, mas a bolsa estava em cima da capa. De repente, um celular começou a tocar.  Era o dela. Abriu a bolsa e atendeu:

- Oi, mãe! Já estou chegando em Mogi. Vou fazer um trabalho na biblioteca e depois irei para a aula.

Perfeito! Ela era estudante e estava indo para a faculdade.

Estávamos sentados no meio do ônibus. Então, resolvi ir até o cobrador e perguntar qualquer coisa, deste modo, quando retornasse, estaria de frente para aqueles olhinhos. Desamarrei o cadarço do meu tênis e o amarrei em seguida. Levantei-me e fui até o cara da catraca. Falei qualquer coisa e voltei, com cara de ponto de interrogação. Ao sentar no banco, olhei para o lado e perguntei:

- Qual é o ponto mais perto do calçadão do Centro?

- Não sei, eu vou até à UMC e não conheço os pontos do Centro - respondeu.

Pronto! Não sabia o curso, mas havia descoberto qual era a faculdade que ela estudava. Todavia, faltava o principal, o seu nome! Como eu iria perguntar?

Na noite anterior eu havia raspado o cabelo na zero e estava com uma bermuda gigante e uma camisa que cabia dois Marquinhos. Olhei para o teto e refleti: e se ela gosta de um cara mais arrumadinho? Daqueles que tem aparência de bom moço? Caramba, o "busão" havia chegado na cidade e eu estava ali, na neurose, debatendo comigo mesmo umas ideias sobre uma garota que eu nunca havia visto. Dei risada sozinho. Logo em seguida, coloquei o fone no ouvido, liguei o radinho, procurei a música Mil Cairão, do Rashid, e me levantei do banco.

Antes de puxar a cordinha, tirei o fone do ouvido direito e tentei tirar mais alguma palavra daquela lindinha. Pelo menos escutaria sua voz pela última vez e desceria mais contente. Fiz uma cara de aventureiro e disse à ela que iria descer no próximo ponto mesmo, e ali perguntaria para o tiozinho da Banca de Jornal onde fica o Calçadão.

Ela me olhou, me deu um sorriso e disse que o centro de Mogi era pequeno e que rapidamente eu me localizaria. Aquela voz foi recebida como a Nona Sinfonia de Beethoven e, quando o motorista parou o carro, eu disse um tchau que há tempos não dizia. Depois andei até a porta traseira e desci as escadas lentamente. Na rua, coloquei novamente o fone e continuei o meu caminho, ouvindo um bom rap e desfrutando da imagem daquela menina que ficou gravada na minha memória.