Quando cheguei às 17h no
Vale do Anhangabaú para trombar o Beninha e subir até a Praça Ramos de Azevedo,
não imaginaria que aquela noite seria tão tumultuada. Sabia que seria histórica,
pois havia uma multidão indignada com o preço da passagem e cansada de viver
com as migalhas do pão e com as risadas forçadas do circo. Contudo, o cenário
noturno das ruas apertadas do centro reservava algo a mais para todos nós.
Chegamos em frente ao
Teatro Municipal e entramos no meio da multidão que cantava “mãos para o alto,
3,20 é um assalto” e outras músicas mais. Ali havia gente de partidos
políticos, punks, universitários, torcedores organizados, senhores, senhoras,
galera do rap e alguns policiais que ficavam observando de longe, encostados na
parede do Shopping Light. Ah, até bandeira do PT tinha no lugar.
Não me lembro muito bem o
horário que saímos em direção à rua da Consolação, só sei que quando cheguei
por lá percebi que estava em meio a uma emboscada onde o Batalhão de Choque da
Polícia Militar resolveu jogar bombas e dar tiros de borracha em todos nós,
inclusive em mulheres.
Quando eles se reuniram
atrás dos escudos e começaram a descer a lenha, só deu tempo de entrar no meio
dos carros que desciam a rua e se proteger atrás dos ônibus. Enquanto alguns
motoristas abandonavam seus automóveis e dezenas de manifestantes se ajoelhavam
em frente dos armados, muitas pedras eram arremessadas e bombas eram chutadas
de volta para os pés dos policiais.
Busão pichado, vidros
quebrados, lixeiras pegando fogo e muito gás lacrimogêneo para os pulmões.
Apesar da cena de batalha, isso foi só o começo da noite, ainda tinha muita
bomba para chover e muita pedra pra ser tacada durante o zig-zag até a Avenida
Paulista. Em cada esquina, um corre-corre para a imprensa filmar lá do alto, protegidos
em seus helicópteros.
Os repórteres que
caminhavam ao nosso lado também levaram seus prejuízos. Foram presenteados com
tiros de borracha na cara, bombas e detenções. Eu não vi ninguém sendo preso,
fui perceber o tamanho da gravidade somente quando cheguei em casa e entrei na
internet.
Logo após o primeiro
incidente, encontrei uma parte do grupo que já estava na Rua Augusta e andamos
até a esquina que fica antes do Hotel Panamericano. Em frente ao hotel, havia
muito escudo e carros que impediam a nossa passagem. Tivemos que mudar o
caminho novamente e buscar outro acesso para a Paulista.
Durante o nosso trajeto, muitos
olhos curiosos (não, não é não, não é o zoológico) apareciam nas janelas e
portas dos edifícios. Olhares de desprezo que não acreditavam que aqueles
metros quadrados tão valorizados estavam ganhando um valor a mais, algo que não
tinha cheiro de dinheiro e muito menos de ostentação, mas de suor, fumaça e gás
lacrimogêneo.
Até que chegamos na Rua da
Consolação novamente e fomos encurralados. A cavalaria estava no local e a
covardia continuou, somada ao ódio dos outros policiais, que
atacavam sem dó a multidão que estava sentada. Todos se levantaram e começaram
a correr em direção à única rua de escape, da qual não me lembro do nome.
Era tanto gás lacrimogêneo
que eu não estava respirando direito. Olhava pro Beninha e falava que o barato
tinha ficado louco e que eu precisava sair dali. No meio do barulho das bombas, uma garota me escutou falando e voltou para jogar vinagre na manga da minha
blusa. Nem me lembro do seu rosto, mas sou eternamente grato pela sua boa ação.
Logo depois, conseguimos
correr até a Paulista e de lá veio mais bomba que nos empurrou para fora da
avenida. Quando me dei conta, estava na Doutor Arnaldo, em frente ao velório do
Cemitério do Araçá. Nesse momento não havia muita gente, aquela multidão tinha
se dispersado e em frente ao Metrô Clínicas havia mais polícia jogando bomba na
gente.
Começamos a descer correndo
o morro do cemitério. Logo nos primeiros passos vi um carro de luxo tentar um
strike. O motorista ficou tão desesperado que quase atropelou a galera. Um
segundo carro tentou fazer a mesma coisa, mas não teve a mesma sorte e a
lataria deve ter sofrido com o impacto dos chutes.
Pensei que o Choque não
fosse descer o morro, mas a perseguição seguiu até a Praça Charles Muller.
Quando passei em frente ao portão do Tobogã do Estádio da Prefeitura, apesar da
tensão, cantei uma música do SPFC para os seguranças que nos olhavam com
espanto e continuei correndo.
Enquanto alguns sumiam
pelo caminho, eu e o Beninha decidimos descer as escadas da Praça. Mudamos de
ideia quando o pessoal, que escutava música em seus carros equipados, começou a
fugir em alta velocidade, deixando o local deserto. (A cena dos carros em fuga lembrou
Velozes e Furiosos).
Em meio à trilha sonora
que nos acompanhava desde o começo da jornada, chegamos até a banca de jornal
que fica no pé do morro e paramos os carros, que tiveram a bondade de esperar a
gente passar. Como não podíamos descer a Avenida Pacaembu e nem subir de volta
pelo outro lado, pois havia viaturas por todas as partes, corremos para a
Avenida Arnolfo Azevedo e ficamos uma meia hora parados em um posto de
gasolina.
No meio dessa correria,
minha mãe me mandou uma mensagem no celular:
“Você já está voltando pra
casa?”
Respondi que estava indo
para o metrô. Eu nem sabia que a TV estava mostrando os fatos. E vocês sabem
que a mídia curte um sensacionalismo. Talvez minha mãe estivesse pensando que o
filho dela estava em Bagdá.
Quando o tempo acalmou por
ali, subimos por outras ruas e chegamos ao metrô Sumaré. Para nós, o sufoco da
noite tinha acabado. Dentro do vagão fiquei pensando o porquê da reação da
polícia, se ninguém tinha feito nada. Inclusive presenciamos um acordo entre o
pessoal do MPL e um comandante da PM, segundos antes do primeiro disparo.
Difícil descrever aquele
dia, escrevi o que lembrei. As imagens ainda estão vivas na memória e a emoção vem
à tona sempre que recordo daquelas horas de tensão. Ah, e além do barulho e da
irritação, o gás lacrimogêneo me rendeu meia hora de inalação na UPA e alguns
remédios, pois descobri que tenho algum tipo de alergia, que a médica não soube
me explicar.
dia épico, dever cumprido como cidadão
ResponderExcluirValeu a parceria!
ExcluirMuito bom....
ResponderExcluirMarquinhos, sempre acompanho seus textos.
A cada dia ficam melhores. Realmente o dito "...a maçã não cai longe do pé é verdadeira.
Parabéns meu amigo.
Tô tentando chegar ao nível do Professor! hehe
ExcluirValeu mano!!
Muito bom! ( o relato, rsrs )
ResponderExcluirGracias, Jéssica :)
ExcluirParabéns Marquinhos. Hoje essa luta é nossa, e vamos vence-lá.
ResponderExcluirEstamos juntos, Barata!
ExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirBom demais!
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