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quinta-feira, outubro 04, 2012

Entre a obediência e o bar


Era noite e o calor estava insuportável. Para João, uma cervejinha seria perfeita para matar a sede e refrescar o corpo, que já não aguentava mais aquela temperatura exagerada.

Resolveu sair e fazer um rolê pelo bairro. Vestiu bermuda e camisa regata, despediu-se da sua mãe e desceu o morro rumo ao mercadinho da rua de baixo. Ao virar a esquina, passou na frente do Bar Bagdá, famoso por sediar campeonatos de truco.

Olhou para dentro com a intenção de encontrar algum conhecido que pudesse acompanhá-lo até o seu destino, mas não viu ninguém. Havia alguns malucos tomando cerveja e cachaça. O ambiente parecia um pouco tumultuado. De repente,  um grito veio de dentro: 

- E aí, diow? Encosta aqui pra tomar uma breja comigo.

Ele parou e viu seu amigo Mário vindo em sua direção. O convite mataria a sua sede e cancelaria a sua missão de ir até o mercado. Mas João não gostava de bar, seu pai lhe havia ensinado que esse ambiente não é muito bom, principalmente quando todos estão bêbados, pois qualquer motivo é motivo para brigas.

Apesar do conselho paterno ter surgido em sua mente, ele refletiu:

- Que mal poderá me acontecer? Meu pai que me perdoe, mas eu vou entrar.

Entrou no boteco e sentou-se junto à mesa de seu amigo, que já havia bebido várias cervejas. Conversaram bastante, relembrando situações passadas e também discutiram sobre a última rodada do campeonato nacional de futebol. Também repararam em uma mulher muito atraente sentada à mesa ao lado. Ela vestia uma blusinha amarela e uma saia jeans muito curta, impossível de não notar.

Conversa vai, conversa vem e João começou apresentar sinais de embriaguez, enquanto Mario, já enlouquecido, se descontrolava. A moça da mesa ao lado desfilava pelo estabelecimento a todo o momento, chamando ainda mais a atenção da dupla.

Mário desconfiou que a moça e o dono do bar possuíam um romance, pois escutou um rapaz dizer: “Vá buscar mais goró pra gente! O seu namoradinho faz de graça pra você". Porém, para o amigo de João, isso não era problema. Ele pretendia conquistar de qualquer maneira a menina da sainha curta.

As horas passavam e o Bagdá precisava abaixar as portas. Mário não aguentou e foi xavecar a mina. Ao chegar perto dela, antes de falar qualquer coisa, foi surpreendido por um soco na nuca e saiu correndo para fora do recinto, deixando seu camarada em uma situação complicadíssima.

O dono e mais uns cinco comparsas rodearam o pobre João, que só tinha quinze reais no bolso.

- E aí, safado? Pague a conta e suma daqui pra não levar um sacode - disse um deles.

Extremamente apavorado, João disse só ter alguns trocados, insuficientes para quitar a dívida e que só estava ali a convite do Mário. Também explicou que não falou nada para a moça e implorou a eles para deixá-lo ir embora.

Enfurecidos, não acreditaram na conversa dele e o espancaram. Entre socos, chutes e cadeiradas, a covardia tomou conta do lugar. Ensanguentado e desacordado, o jovem foi jogado na calçada e o bar, fechado. Todos sumiram.

Alguns moradores, ao verem o corpo todo arrebentado, ligaram para o Samu, que chegou rapidamente. João foi levado ao Hospital da Misericórdia, onde foi atendido com urgência, mas não resistiu aos ferimentos e morreu nos braços dos enfermeiros.

Ao receber a notícia, dona Maria, mãe de João, caiu de joelhos e gritou aos céus perguntando a Deus o porquê de uma desgraça como essa ter alcançado o seu lar. Seu marido, "seo" Joaquim, ficou perturbado e não entendeu o que havia passado na mente do seu menino, que era obediente, trabalhador e recentemente havia ingressado na faculdade, onde conseguiu uma bolsa para estudar História.


Infelizmente, João não será um historiador, seu sonho foi interrompido por uma fatalidade. Mário fugiu do bairro, dizem que foi morar em outro estado. Talvez esteja com remorsos e com medo de ser a próxima vítima. A rapaziada do Bagdá continua lá, bebendo e jogando truco. A garota atraente também segue vestindo sua roupinha curta e gerando discórdia por onde passa.