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domingo, maio 19, 2013

A simplicidade extraordinária de cada dia nos dai hoje


Acordei bem disposto naquele dia e desejei viver uma história diferente. Estava cansado de olhar pelo mesmo ponto de vista. Tudo que eu tinha que fazer era idêntico ao que eu havia feito no dia anterior. Nada mudaria, a não ser que eu sofresse algum atropelamento ou fosse assaltado.

Abri meus olhos, me espreguicei, levantei da cama e fui para o banheiro. Liguei o chuveiro, deixei a água cair sobre meu rosto e pensei nos cinco pãezinhos que eu iria comer no café da manhã. A manteiga havia acabado e eu só tinha cinco pesos pra comprar os pães. Teria que pedir um crédito para o senhorzinho da venda.

Após o banho fui escovar os dentes e percebi que o creme dental havia acabado. Decidi me vestir e depois resolver esse problema. Coloquei minha velha bermuda jeans, minha camisa vermelha e meu chinelo preto. Peguei uma faca e cortei o tubo do creme dental ao meio para utilizar o restinho que ainda tinha, assim pude deixar meus dentes mais brancos e resistentes, como diz o comercial da TV.

Peguei as moedas e fui até a venda. No caminho conversei com os meninos que vendiam alguns saquinhos com cinco pedacinhos de cana-de-açúcar, ao preço de dois pesos cada. Eles esperavam os carros pararem no cruzamento da movimentada rua e ofereciam seus produtos naturais aos motoristas e aos passageiros dos ônibus. Cada guerreirinho daqueles devia ter 11 anos no máximo.

Depois passei para falar um bom dia para a senhora camponesa que vendia maçã, banana, laranja e outras frutas em um carrinho de mão. Ela sorriu e disse: “Buen dia, joven. Cómo le vá?”. Eu respondi que estava tudo bem e que iria comprar uns pães para o café da manhã.

Entrei na venda e o Don Hugo estava assistindo TV. Quando me viu, se levantou do banquinho para me atender. Também disse que sua esposa havia trazido alguns pãezinhos da escola em que ela trabalhava e que havia guardado para mim. Na hora fiquei muito feliz, pois sobraria dinheiro pra comprar a manteiga.

Voltei para o meu quarto com o saudável café da manhã, liguei o radinho e coloquei a água para ferver. Enquanto a água fervia, passei manteiga nos pães e coloquei algumas folhas de coca na xícara de asa quebrada que eu sempre usava.

A água ferveu, o pão estava perfeito e o chazinho me lembrava do chá de hortelã que eu tomava quando era criança. Alguns dizem que a folha de coca é prejudicial, mas eu penso que o processo de maldade que é feito com ela, até uma azeitona com mil produtos químicos faria dano.

Lembrei que precisava lavar minhas roupas. Porém, no local havia um único tanque e o varal sempre estava cheio de roupa dos outros moradores. Então decidi colocar tudo na mochila de viagem que meu pai havia me presenteado e seguir até a casa da Yara. Enquanto colocava as roupas, lembrei da minha mãe, pois se ela visse o estado das golas das minhas camisas, ela certamente brigaria comigo.

Fui até o ponto esperar o micro e de repente apareceu um camarada que era pastor de uma igreja. Ele disse que estava com saudades, que eu desapareci, que todo mundo estava sentindo minha falta e etc. Normalmente pessoas de grupos religiosos falam isso quando te veem na rua, sempre expressam uma dor extraordinária de saudade.

Eu lhe disse que não fui porque estava indo em outra igreja, que era mais próxima da minha casa. Também expliquei que estava buscando um emprego e que a faculdade estava me consumindo, pois os professores estavam passando muita tarefa.

Ele mudou um pouco o assunto e disse que ficou sabendo que eu estava passando umas dificuldades financeiras, que mal podia comprar o feijão. Respondi que sim, mas que o arroz e a sardinha nunca faltaram – brinquei para ele entender que existe desgraça maior no mundo.

Com  olhar de sabedoria e voz de experiência, ele me perguntou se eu estava dando o dízimo. Falei que não, que se eu desse 10% do pouco que eu tinha, não conseguiria pagar nem o aluguel. O papo acabou ali, ele disse para eu refletir num tal de “princípio da semeadura” e foi embora cuidar de seu rebanho. Fiz uma cara de indignação e em seguida o ônibus chegou.

Após meia hora dentro daquela lata de sardinha, cheguei ao meu destino. Apertei a campainha, abracei a Yara e coloquei minhas roupas dentro da máquina. Usei o restinho de sabão em pó que eu tinha comprado semanas antes e as deixei limpinhas. Elas não ficaram tão limpas quanto as do comercial da TV, mas pelo menos estavam cheirosas.

Em meio ao vento forte, estendi a roupa e entrei para almoçar. A Yara tinha preparado arroz, feijão, bife, salada e na geladeira tinha refrigerante. Era um banquete, e ela cozinhava perfeitamente. Foi um almoço daqueles que a gente não esquece. Repleto de tempero, acompanhado de uma conversa de qualidade.

A comida do prato acabou e o refrigerante do copo também. Como de costume, lavei toda a louça e a Yara secou. Varremos a cozinha e passamos um pano pra deixar o local brilhando, iguais àqueles incríveis pisos que são mostrados no comercial da TV.

Em seguida, fui até o varal e recolhi as roupas que já estavam secas. Dobrei direitinho e coloquei na mochila. Faltou uma bermuda e três camisas que ainda estavam úmidas. Deixei que elas secassem totalmente e quando eu pudesse voltaria para buscá-las.

Agradeci minha amiga por ter me ajudado, dei aquele abraço de despedida e fui até a avenida pegar o ônibus de volta para o centro da cidade. No caminho, bateu aquela saudade de casa. De poder jogar vídeo game com meu irmão e brincar com o Bili. É complicado, estar sozinho dentro do busão faz a mente pensar mais do que o normal.

Desci do precário transporte público em que me encontrava, passei na venda novamente, pedi ao Don Hugo que me vendesse uma pasta de dente fiado e fui pra casa. Cansado, deitei na cama, que parecia ser aquele colchão macio que aparece no comercial da TV, e fixei meus olhos no teto.

De repente minha mente se acalmou e comecei a agradecer a Deus pelo dia diferente que eu vivi. Fui muito grato por Ele ter colocado pessoas e situações especiais no meu caminho, mesmo eu sendo um amaldiçoado aos olhos do pastor da tal “lei da semeadura”. 

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