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domingo, agosto 23, 2015

Espasmo

Maluco, que susto da porra. Foram vários pipocos que nem entendi nada, só me assustei e caí. Que fita! Fui surpreendido de repente que nem deu tempo de pensar, só sei que tô aqui, caído na calçada.

Porra! Quem fez isso comigo? Minha mãe vai chorar quando me ver neste estado. Ela fez um bolo de chocolate pra comemorar meu novo emprego. Cadê o refrigerante que comprei? Filhos da puta! Só fui comprar um refri ali no bar pra comer com o bolinho e me pegaram na trairagem. Nem deu tempo de ver quem era.

Por que será que fizeram isso comigo? Nem consigo falar, até pra pensar tá foda. Tem muito sangue saindo de mim. Meu deus! Que maldade fizeram comigo. Alguém liga pro Samu. Na verdade nem sei se tem alguém me vendo aqui jogado igual a um animal abatido. Caraca, mano. Prevejo meu fim. Logo agora que reformei meu quartinho e consegui um trampo registrado. Estava osso viver de bico.

Ainda bem que a Manu não veio comigo. Graças a deus! Cadê vocês, seus assassinos de merda? Covardes! Não fiz nada. País injusto da porra. Morre mais gente aqui do que lá pra aqueles lados do Iraque. Certeza que morre. A pena de morte reina nesse Brazilzão sem lei. Mas só tem um lado da sociedade condenado, o outro lado tem quem passa um pano.

E agora, truta? Minha mãezinha vai passar mal e ela já tem problema de pressão. Ainda bem que meu pai não tá vivo pra me ver assim. Caralho! Que dor da porra. E não para de sair sangue. Tô com o barulho dos tiros e do pneu do carro dentro da mente.

Amanhã vou ser notícia. Vão ganhar dinheiro com a minha desgraça. Aí, seus arrombado! Eu tenho nome, hein. Nome e sobrenome. Sou trabalhador e tô aqui morrendo de graça, igual fizeram com o Miltinho da Ladeira. Mataram o menino e o jornal disse que ele era do crime. Do crime porra nenhuma, ele era suave.

Tenho que provar que sou trabalhador? Por que só a gente daqui que tem que provar? Dessa vez nem tive que provar, quem vai ter a tristeza de responder as perguntas dos carniceiros vai ser minha mãezinha. Foda!

Alguém fala pra Manu que eu sempre fui firmeza com ela. Infelizmente o casamento não vai virar. As balas roubaram nosso sonho. Justo agora que arrumei aquele trampinho registrado. O Moacir falou que ia dar uma viagem de presente de lua de mel. Mas agora fodeu tudo. Nem deu tempo de casar, nem deu tempo de chegar aos 27. Nem deu tempo...

Nossa, mano. Foi tudo muito rápido e já nem enxergo mais nada. Mãe, vem logo e me ajuda. Desculpa, mas eu não consegui chegar a tempo pra comer o bolinho da senhora. Mas obrigado pelo carinho de sempre. Se existir um deus mesmo, ele vai saber o que falar na hora do tribunal. Meu sangue ainda tá quente.

Cadê o refri? 

6 comentários:

  1. Meu amigo como sempre escreve textos otimos

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  2. Mais um texto muito louco, e muito bem escrito.
    Um pouco de realidade cruel e ficção das ruas.

    Mas sei lá, me nego a me "entregar", acredito que não somente eu, mas todos temos pelo menos algumas poucas oportunidades (em quantos outros tem milhares delas) de virar o jogo da pobre, da violência, e impunidade...
    Sei lá, mas a gente não precisa ser "porra nenhuma", precisamos apenas ser nos mesmos. SER FELIZ, sorrir e multiplicar sorrisos.

    Obrigado mano, por mais um texto que leva minha mente voar e refletir.
    Aê, um dia o "lixo" vai virar ouro, e se pah ele já virou!

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  3. Uau!!! Eu pago pau mesmo pra esse meu amigo escritor, jornalista, dos bons!!!! Continue escrevendo e nos encantando!!! Deus o abençoe!!!! Seja sempre feliz!!!!

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