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quarta-feira, janeiro 02, 2013

Miragem


O vento que entrava pela janela do ônibus bagunçava seus cabelos castanhos, que caíam sobre seus olhos e, por alguns segundos, a impediam de ver. Eu fingia que observava a paisagem que beirava a estrada, mas não tirava meus olhos daquele rostinho perfeito.

Olhos claros, pele branca como a neve e sorriso verdadeiro. Caraca, da onde veio essa mina? - seria a pergunta que eu faria ao Magal, caso ele estivesse ali. Eram poucos minutos de viagem e eu teria que bolar um plano rapidamente. O objetivo do dia já não era chegar ao meu itinerário, isso já não era tão importante. A meta era conversar com a minha companheira de banco.

Busquei nas profundezas da mente algum assunto que não desse na cara que eu havia me interessado por ela. Porém, não encontrei nenhuma solução neste meu complicado cérebro. O motorista dirigia devagar e com prudência. Contudo, eu esperava uma barbeiragem de vossa excelência, para que eu pudesse olhar para o lado e comentar: Que cara ruim de volante, né? 

Ou talvez uma freada brusca me desse a oportunidade de perguntar se ela havia se machucado. Mas, não sei, estava tudo tão calmo naquele ônibus, que só um milagre para eu conseguir saber pelo menos o seu nome.

O bonde não estava lotado. Havia aproximadamente 20 pessoas sentadas. Um casal conversava no banco ao lado e falavam tão alto que até o motorista escutava. No banco de trás, uma garota, aparentando ter 15 anos, escutava música no seu celular, enquanto a senhora que se encontrava ao seu lado, fazia tricô. O cobrador não largava o celular e passou a viagem toda conversando com alguém.

Mas, eu era o mais sortudo daquela condução. Ao meu lado estava a garota mais linda de todas. Ela vestia uma blusinha cinza, segurava uma bolsa marrom, um caderno e dois livros. Imaginei que estivesse indo para a faculdade. Tentei olhar do que se tratavam os livros, mas a bolsa estava em cima da capa. De repente, um celular começou a tocar.  Era o dela. Abriu a bolsa e atendeu:

- Oi, mãe! Já estou chegando em Mogi. Vou fazer um trabalho na biblioteca e depois irei para a aula.

Perfeito! Ela era estudante e estava indo para a faculdade.

Estávamos sentados no meio do ônibus. Então, resolvi ir até o cobrador e perguntar qualquer coisa, deste modo, quando retornasse, estaria de frente para aqueles olhinhos. Desamarrei o cadarço do meu tênis e o amarrei em seguida. Levantei-me e fui até o cara da catraca. Falei qualquer coisa e voltei, com cara de ponto de interrogação. Ao sentar no banco, olhei para o lado e perguntei:

- Qual é o ponto mais perto do calçadão do Centro?

- Não sei, eu vou até à UMC e não conheço os pontos do Centro - respondeu.

Pronto! Não sabia o curso, mas havia descoberto qual era a faculdade que ela estudava. Todavia, faltava o principal, o seu nome! Como eu iria perguntar?

Na noite anterior eu havia raspado o cabelo na zero e estava com uma bermuda gigante e uma camisa que cabia dois Marquinhos. Olhei para o teto e refleti: e se ela gosta de um cara mais arrumadinho? Daqueles que tem aparência de bom moço? Caramba, o "busão" havia chegado na cidade e eu estava ali, na neurose, debatendo comigo mesmo umas ideias sobre uma garota que eu nunca havia visto. Dei risada sozinho. Logo em seguida, coloquei o fone no ouvido, liguei o radinho, procurei a música Mil Cairão, do Rashid, e me levantei do banco.

Antes de puxar a cordinha, tirei o fone do ouvido direito e tentei tirar mais alguma palavra daquela lindinha. Pelo menos escutaria sua voz pela última vez e desceria mais contente. Fiz uma cara de aventureiro e disse à ela que iria descer no próximo ponto mesmo, e ali perguntaria para o tiozinho da Banca de Jornal onde fica o Calçadão.

Ela me olhou, me deu um sorriso e disse que o centro de Mogi era pequeno e que rapidamente eu me localizaria. Aquela voz foi recebida como a Nona Sinfonia de Beethoven e, quando o motorista parou o carro, eu disse um tchau que há tempos não dizia. Depois andei até a porta traseira e desci as escadas lentamente. Na rua, coloquei novamente o fone e continuei o meu caminho, ouvindo um bom rap e desfrutando da imagem daquela menina que ficou gravada na minha memória.

6 comentários:

  1. Muito bom o texto e o Blog. Seu irão me apresentou, adorei. Parabéns!

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  2. Às vezes nossa cabeça cria um labirinto de interrogações, nas coisas mais simples. E se ela estivesse com vontade de falar também! É impressionante como nossos medos, criam barreiras, muralhas, para se conseguir puxar um papo, por alguém que se tem interesse. O medo de não sermos o ideal, termina nos levando a perder chances. Isto me lembrou o filme Um Amor para Recordar e o livro A Garota das Laranjas, onde um rapaz se apaixona por uma moça que carregava uma sacola de laranjas no ônibus. É super interessante o diálogo que ele tem com ele mesmo, o tempo que demora para dizer um oi, e quando ele abre a boca, só sai besteira, ou fala errado, quase gago. E no fundo ela estava de olho nele, ou seja, ambos não sabiam o que falar. Às vezes acho melhor falar, tentar, mesmo que corra o risco de sair frustado, ou desmaiar de uma taque cárdia :) do que não fazer. Aposto que você desceu do ônibus com seu som, mas o coração continuava a bater rapidamente dentro do ônibus! Parabéns! Tomara que tal garota, possa um dia ler este texto! Já pensou?

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  3. As vezes não é preciso dizer nada, os olhos já diz tudo. Pessoas especiais se entendem só de mergulhar um no olhar do outro.

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  4. Lindo esse texto...ele me agarrou logo nas primeiras palavras e tinha que saber o final! Muito bom mesmo...

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  5. mto bom!!! um dos seus melhores textos que ja li neguinho raya.

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