O
vento que entrava pela janela do ônibus bagunçava seus cabelos castanhos, que
caíam sobre seus olhos e, por alguns segundos, a impediam de ver. Eu fingia que
observava a paisagem que beirava a estrada, mas não tirava meus olhos daquele
rostinho perfeito.
Olhos
claros, pele branca como a neve e sorriso verdadeiro. Caraca, da onde veio essa
mina? - seria a pergunta que eu faria ao Magal, caso ele estivesse ali. Eram
poucos minutos de viagem e eu teria que bolar um plano rapidamente. O objetivo
do dia já não era chegar ao meu itinerário, isso já não era tão importante. A
meta era conversar com a minha companheira de banco.
Busquei
nas profundezas da mente algum assunto que não desse na cara que eu havia me
interessado por ela. Porém, não encontrei nenhuma solução neste meu complicado
cérebro. O motorista dirigia devagar e com prudência. Contudo, eu esperava uma
barbeiragem de vossa excelência, para que eu pudesse olhar para o lado e
comentar: Que cara ruim de volante, né?
Ou
talvez uma freada brusca me desse a oportunidade de perguntar se ela havia se
machucado. Mas, não sei, estava tudo tão calmo naquele ônibus, que só um
milagre para eu conseguir saber pelo menos o seu nome.
O
bonde não estava lotado. Havia aproximadamente 20 pessoas sentadas. Um casal
conversava no banco ao lado e falavam tão alto que até o motorista escutava. No
banco de trás, uma garota, aparentando ter 15 anos, escutava música no seu
celular, enquanto a senhora que se encontrava ao seu lado, fazia tricô. O
cobrador não largava o celular e passou a viagem toda conversando com alguém.
Mas,
eu era o mais sortudo daquela condução. Ao meu lado estava a garota mais linda
de todas. Ela vestia uma blusinha cinza, segurava uma bolsa marrom, um caderno
e dois livros. Imaginei que estivesse indo para a faculdade. Tentei olhar do
que se tratavam os livros, mas a bolsa estava em cima da capa. De repente, um
celular começou a tocar. Era o dela. Abriu a bolsa e atendeu:
-
Oi, mãe! Já estou chegando em
Mogi. Vou fazer um trabalho na biblioteca e depois irei para
a aula.
Perfeito!
Ela era estudante e estava indo para a faculdade.
Estávamos
sentados no meio do ônibus. Então, resolvi ir até o cobrador e perguntar
qualquer coisa, deste modo, quando retornasse, estaria de frente para aqueles
olhinhos. Desamarrei o cadarço do meu tênis e o amarrei em seguida. Levantei-me
e fui até o cara da catraca. Falei qualquer coisa e voltei, com cara de ponto
de interrogação. Ao sentar no banco, olhei para o lado e perguntei:
-
Qual é o ponto mais perto do calçadão do Centro?
-
Não sei, eu vou até à UMC e não conheço os pontos do Centro - respondeu.
Pronto!
Não sabia o curso, mas havia descoberto qual era a faculdade que ela estudava.
Todavia, faltava o principal, o seu nome! Como eu iria perguntar?
Na
noite anterior eu havia raspado o cabelo na zero e estava com uma bermuda
gigante e uma camisa que cabia dois Marquinhos. Olhei para o teto e refleti: e
se ela gosta de um cara mais arrumadinho? Daqueles que tem aparência de bom
moço? Caramba, o "busão" havia chegado na cidade e eu estava ali, na
neurose, debatendo comigo mesmo umas ideias sobre uma garota que eu nunca havia
visto. Dei risada sozinho. Logo em seguida, coloquei o fone no ouvido, liguei o
radinho, procurei a música Mil Cairão, do Rashid, e me levantei do banco.
Antes
de puxar a cordinha, tirei o fone do ouvido direito e tentei tirar mais alguma
palavra daquela lindinha. Pelo menos escutaria sua voz pela última vez e
desceria mais contente. Fiz uma cara de aventureiro e disse à ela que iria descer
no próximo ponto mesmo, e ali perguntaria para o tiozinho da Banca de Jornal
onde fica o Calçadão.
Ela
me olhou, me deu um sorriso e disse que o centro de Mogi era pequeno e que
rapidamente eu me localizaria. Aquela voz foi recebida como a Nona Sinfonia de
Beethoven e, quando o motorista parou o carro, eu disse um tchau que há tempos
não dizia. Depois andei até a porta traseira e desci as escadas lentamente. Na
rua, coloquei novamente o fone e continuei o meu caminho, ouvindo um bom rap e
desfrutando da imagem daquela menina que ficou gravada na minha memória.