Era dia de clássico. A rivalidade entre os dois times
ultrapassava as quatro linhas do gramado e estendia-se até as arquibancadas e
bairros da cidade. Durante a semana, os meios de comunicação colocaram essa
partida como o evento mais importante do país. Deixaram de denunciar a corrupção
nacional e o descaso da saúde pública para alienar a população com o futebol,
que, diga-se de passagem, é a paixão nacional.
Na véspera do confronto houve muita provocação entre os
dirigentes dos dois clubes. Talvez fosse uma estratégia para deixar o clássico
com clima de batalha e assim, incentivar os torcedores a comparecerem ao estádio.
Os jogadores pediam aos torcedores que lotassem todos os
espaços daquele grande templo do futebol. Alguns telejornais entrevistaram
torcedores nas ruas para mostrar como estavam seus corações em relação ao
grande duelo.
Muitas estratégias foram usadas para fazer deste clássico, assunto principal no meio da sociedade.
Finalmente, o dia chegou. Grande contingente policial nas imediações do estádio. A imprensa estava frenética. Todos estavam
ansiosos para saber quem ganharia esse importante duelo.
Na sede das torcidas organizadas de ambos os clubes,
torcedores eufóricos ao som da bateria, cantavam gritos de guerra e se preparavam
para sair rumo às arquibancadas.
Chegada a hora, guardaram as bandeiras e os instrumentos,
entraram nos ônibus e saíram.
Eram milhares de torcedores. Estavam dispostos a guerrear.
Não demonstravam medo. Portavam-se como guerreiros.
Os cidadãos que caminhavam pela calçada se espantavam com os
gritos enlouquecidos que vinham das janelas dos ônibus. Algumas pessoas até
entravam em estabelecimentos para se proteger de um eventual conflito.
Mas, apesar do clima que envolvia aquele domingo, a caravana
não seguiu o caminho que levava ao estádio. Pelo contrário, seguiu em direção ao
centro da cidade onde acontecia um protesto contra alguns políticos que desviaram
dinheiro público.
De repente, as torcidas rivais se encontraram na última
avenida que levava até à manifestação. Todos desceram dos ônibus e, ao som da
bateria e com as bandeiras levantadas, marcharam até a multidão.
Pediam justiça e diziam que estavam cansados de ver o
"circo" que é a política brasileira. Alguns, mais enfurecidos, comentavam
que havia chegado a hora de combater com as próprias forças esse "câncer"
que dominou o governo nacional.
Um pouco longe dali, no estádio, ninguém entendia o que
estava acontecendo. Os repórteres e dirigentes dos clubes se perguntavam o porquê do estádio estar vazio. Na verdade, no íntimo de cada um, havia medo. Medo
do brasileiro se libertar da alienação do futebol e resolver lutar pelos seus
direitos constitucionais.